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A BARCA DA PASSAGEM
com a designer Etelvina Almeida
Falar de Ílhavo é falar de um território em que terra e água se complementam numa paisagem entrecortada por canais que foram essenciais ao modo de viver das suas gentes. Mas constituíram também obstáculos a vencer. Surgiram assim as várias travessias dos canais que, com naturalidade, elegemos como tema para uma das visitas Olhar Por Dentro. Para nos guiar, contámos com o entusiasmo e conhecimento da designer Etelvina Almeida que, pelas suas origens e formação académica, é uma apaixonada pela Ria, estudiosa e conhecedora de alguns aspetos a ela ligados, continuando na descoberta dos seus mistérios.
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Etelvina Resende Almeida, nasceu em 1969. É natural de Aveiro. Licenciou-se em Design pela Universidade de Aveiro, tendo terminado o Mestrado, em Dezembro de 2012, com o tema: Embarcações Tradicionais da Ria de Aveiro. Uma análise pelo Design. Desenvolve trabalho na área do Design de Comunicação.
Integrou vários projetos e exposições dos quais se destacam a palestra Uma viagem p’la Ria, em 2014, ou a exposição de fotografia Bateira Ílhava, no Museu Marítimo de Ílhavo, em 2014.
Tem artigos publicados na imprensa sobre o tema do património lagunar, em particular sobre as embarcações tradicionais da Ria de Aveiro e colabora com artigos mensais para o jornal O Concelho de Estarreja.
Publicou, em coautoria com Ana Maria Lopes e fotografia de Paulo Godinho, Uma Janela Para o Sal, editado pela Alêtheia Editores em 2015. Recentemente foi coordenadora e designer editorial da obra monográfica dedicada ao artista plástico José de Oliveira intitulada: Memórias. 30 anos a pintar a Ria. José de Oliveira, editada pela Câmara Municipal da Murtosa, em 2019.
© Ricardo Gonçalves
Como já dizia o barqueiro Manuel
da Graça, conhecido como Ti Ameixa, “O trabalho das
travessias é coisa a sério” e, nesta visita, Etelvina levou-nos a perceber porquê.
A barca da “passage”, o Cais da Bruxa, o Bairro dos Pescadores e Cais da
Malhada, ou a paragem obrigatória na Ponte da Vista Alegre, passagem para os
operários da Vista Alegre, faziam parte dos quotidianos e travessias
de outros
tempos e ajudam-nos a perceber hoje a morfologia deste território.
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O percurso iniciou-se com uma paragem no Esteiro da Malhada onde, quando os canais
da Ria eram as vias de comunicação por excelência, se descarregava no cais o moliço e
o junco e acostavam as embarcações de pesca local. Reabilitado em 2015, este esteiro
serve ainda hoje para acostagem das embarcações dos pescadores.
Prosseguimos com o nosso itinerário passando pela Ponte Juncal Ancho. Apesar de
não encontrarmos vestígios da existência de uma barca de passagem, contamos com
o conhecimento de Etelvina que nos explica que, neste e noutro locais, as travessias
foram, durante muito tempo, feitas nas barcas, uma espécie de primeiro transporte
público. Neste ponto, a comunicação por via terrestre entre a margem de Ilhavo e a das
Gafanhas só foi possível a partir de 1839, aquando da construção da primeira ponte,
em madeira.
Continuámos pelas margens do Canal de Ílhavo (Rio Boco), até junto da Ponte da Vista
Alegre, de 1979. Até à construção da primeira ponte de madeira, em 1935, existiu
neste local uma plataforma de embarque para a barca que ligava as duas margens,
de um lado a Gafanha da Boavista e do outro a Vista Alegre. Era desta forma que
muitos trabalhadores da Fábrica da Vista Alegre, residentes das Gafanhas, chegavam
ao seu trabalho. A barca também se notabilizou graças à afamada Feira dos Treze da
Vista Alegre, para a qual transportava muitos feirantes. O movimento intenso nesta
passagem levou à construção da ponte, que veio substituir a barca e o seu condicionado
transporte de pessoas.
© Ricardo Gonçalves
A caminho do seguinte ponto de passagem, parámos para ver, apeada,
a “barca da passage” Os Velhotes, do Ti Ameixa. Este que foi o último dos
barqueiros do Canal de Mira deixou, em 2006, à espera de novas viagens
a sua bateira mercantela acostada. Atualmente em exposição na Rotunda
da Estrada da Mota a barca Os Velhotes, de menores dimensões que o
barco mercantel, realizava a travessia entre a Gafanha da Encarnação, a
partir do Cais da Bruxa, e a Praia da Costa Nova do Prado, transportando
veraneantes que chegavam em carros de bois numa altura em que o
único acesso pedonal era uma ponte de madeira no norte da barra, e
portanto longínqua para quem pretendia chegar à Costa Nova. Chegaram
a trabalhar nesta travessia 12 homens para seis embarcações. A barca era
impulsionada pelo vento, à vela ou, na sua ausência, manobrada à vara.
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Como todas as passagens que se realizavam nesta região, esta
passagem era feita por necessidade – uns para irem trabalhar,
vender e comprar produtos, outros para irem à escola e até para
transportar o cortejo fúnebre. Mas também se fazia por lazer,
para vir beber o cervejão à tasca da “Bruxa” em grandes grupos de
veraneantes, assim como por devoção, como era o caso das viagens
para a romaria da Nossa Senhora da Saúde, na Costa Nova.
© Ricardo Gonçalves
Chegámos animados ao conhecido “Cais da Bruxa”, um entreposto comercial entre a
serra e o mar, por onde se transportava peixe do mar e produtos da serra, vinho, azeite,
etc. que ali chegavam e dali partiam. Foi construída em cerca de 1840 e permitia aos
viajantes que traziam animais pernoitarem, pois existia um estábulo junto à estalagem.
O estabelecimento “A Bruxa” foi em tempos uma estalagem e casa de pasto pertencente
à Ti Norta e, apesar do nome, não tem nada de esotérico, aliás consta que o nome se
deve a um cliente, que, exagerando no cervejão, veio para a rua bradar que a bebida
só podia ter “bruxa”.
Hoje em dia, o assoreamento e, por conseguinte, as marés baixas
são o grande obstáculo à realização de ligações através dos canais
da Ria, que se procuram mais por recreio que por necessidade. Por
esse motivo, a conversa que se pretendia ter a bordo dum barco
moliceiro em direção à Costa Nova ficou em terra, junto ao cais.
A evocação in loco das passagens que existiram previa-se com
comentários a bordo sobre as viagens e necessidades que se faziam
sentir à época.
Testemunho de Ti Ameixa
A vida em travessias — a partir de entrevista ao barqueiro Ti Ameixa
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Junto ao “Cais da Bruxa”, satisfeitos mas sem os excessos da história que dá nome ao
bar, terminou o nosso périplo, conversando sobre as afamadas passagens que ali se
realizaram durante largos anos e a forma como as pessoas as recordam.
Descarregar mapa do percurso
e porque o conhecimento ocupa (bom) lugar...
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O Bairro dos Pescadores da Malhada, habitações económicas de promoção
pública estatal, foi construído em 1949 pela Junta Central das Casas dos Pescadores.
É composto de 10 casas unifamiliares, geminadas e com logradouro. O elemento
mais característico das casas são as chaminés decoradas com motivos simbólicos
como as âncoras, o Arrais Ançã (figura histórica ilhavense), luas ou trevos. Uma
segunda fase do Bairro dos Pescadores, o Bairro Novo, foi inaugurado em 1962.
Além das 76 casas unifamiliares, o bairro contava com equipamentos como escola,
jardim de infância e posto de saúde.
As gafanhas são toda a região arenosa delimitada pelos canais do Rio Mira
e do Rio Boco pertencente aos concelhos de Vagos e de Ílhavo. É uma região que
outrora esteve submersa e que só a formação da laguna de Aveiro, a partir do
século X, foi aos poucos expondo. Inicialmente pantanosas e pouco férteis, estas
terras começaram a ser povoadas no século XVII. Os terrenos de lamas e areias
movediças tornaram-se terrenos agrícolas graças ao engenho humano, já que as
algas apanhadas na Ria (moliço), misturados com pilado e lamas perimitiram a
fertilização e impermeabilização dos solos.
A atividade da construção naval de embarcações tradicionais acompanhou a
evolução da economia local lagunar. Existiram estaleiros ao longo de toda a região
ribeirinha da Ria de Aveiro, mantendo-se atualmente meia dúzia. Hoje já não
seguem a arte da construção tradicional em madeira, contudo até há pouco tempo
eram reparadas embarcações no estaleiro do Carmo, pelo Mestre Vítor Domingues.
A Feira dos Treze remonta ao ano de 1693, como feira franca. A feira foi
ganhando fama por se realizar na Vista Alegre, para onde atraía muitos viajantes,
comerciantes, industriais e lavradores. As pessoas vinham dos mais diversos pontos
da Ria, da região e até do estrangeiro. Os produtos chegavam por terra e por
água. De barco, chegavam carregamentos de sal, peixe salgado ou seco, madeira.
Também se vendiam tecidos, artesanato local, tamancos, gabões, arados, animais,
lenha, vinho...O seu nome deve-se ao facto de se realizar no dia 13 de cada mês.
Desde 2004, tem lugar no recinto da Vista Alegre e funciona, atualmente, como um
mercado típico onde se pode encontrar um “pouco de tudo”.
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