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A cultura do dia a dia por Joel Reigota, em entrevista
O coração atraiçoou-o e não o deixou pilotar aviões e um ligamento mal amanhado impediu-o de ser bailarino: maleitas que serviram de convite a um caminho irrepreensível no mundo da Moda. Há umas décadas era o estilista “terrível”, mas acalmou-se, refém mais dos tempos que da vontade. Passa muito tempo no estrangeiro, teve lojas noutros lugares, mas nunca abdicou do atelier na Gafanha da Boavista. Está em casa. Afinal, não é preciso ir para longe para se ir longe na Moda. Joel Reigota ainda é terrível, “meio tolo”, sobretudo, livre. Lança a coleção “Existência” no dia 26 de janeiro, no Museu Vista Alegre.
Já lhe devem ter perguntado tantas vezes: como é que se tornou estilista?
Tanto a minha avó materna como a paterna eram costureiras, mas isso, embora possa estar no meu ADN, não foi grande influência. O que aconteceu é que desde muito cedo demonstrei vontade de ter roupas à minha maneira, mesmo contra os meus pais. Naquela altura, mandava-se fazer a roupa nas costureiras e eu fazia questão de me destacar de alguma forma, de pôr um cunho pessoal na minha roupa. Mas nem sequer era o meu sonho, não pensava nisso como uma profissão. Na realidade, primeiro quis ser piloto de aviação, depois pensei numa carreira na dança, mas tive uma rotura muscular e deixei de sonhar com isso. Foi nessa altura que comecei a levar a sério as pessoas que me diziam que eu até desenhava “umas coisas giras” e pensei “porque não?”.
Porque as pessoas gabavam aquilo que vestia?
Sim, achavam piada, questionavam-me, “- pá, como é que tu és capaz?”. Aquilo era muito especial para os outros e para mim era a coisa mais natural do mundo. Foi um processo: primeiro descobri que não podia ser piloto porque tinha um sopro cardíaco, depois fiz a rotura e não pude ser bailarino, então quis seguir o caminho das Artes, queria ir para a Soares dos Reis. O meu pai disse-me logo que não, para ficar aqui, que eu era “meio tolo” (risos). Então acabei por seguir Letras, o que mais tarde limitou as minhas escolhas, mas acabou por ser o que me levou, de facto, ao Estilismo.
E acabou por correr bem…
Sim. Mas trabalhei muito e, além disso, a coisa também me correu bem, tive sorte. Acabei por ganhar alguns estágios no estrangeiro e uma professora francesa achou que o meu trabalho se identificava muito com o de alguns criadores que estavam, na altura, na berra em França, e foi assim que me lancei. Quando voltei comecei logo a coordenar uma feira importantíssima no Porto e a trabalhar numa empresa de cabedal em São João da Madeira. Foi tudo muito rápido: estudei, trabalhei muito, apliquei-me, aconteceu.
Então porque fala na sorte?
Esta não é uma carreira nada fácil de construir. Ainda hoje não é. Temos um país pequeno, o mercado é pequeno, a mentalidade também, as pessoas não acompanham, há muito preconceito. O facto de eu ser homem ajudou-me, fez com que eu me quisesse destacar.
Não sabemos em que ano é que o pai do Joel lhe disse que era “meio tolo”...
Ainda diz! (risos)
Mas para fazer isto. Hoje ainda tem que se ser “meio tolo” para se seguir este caminho? Ainda existe essa mentalidade?
Sim, sim, sim! Se calhar a perspetiva não é a mesma, mas há uma tolerância por parte da sociedade que é do género: se eu fizer um disparate ou se alguém da área das artes fizer um disparate qualquer ou tiver uma atitude menos correta, a explicação é “- é normal, ele é artista”; mas se alguém de ciências, até de letras, que todos esperam que faça o que é correto, faz algo errado, é logo apontado negativamente. Nós, o pessoal “da maluqueira”, temos sempre a desculpa, é-nos permitido tudo.
E isso não tem um lado bom?
A mim agrada-me. Prefiro ser considerado “tolo”, mas depois faço um bom trabalho e tenho uma atitude séria e as pessoas pensam “ele é mesmo bom, afinal”. Gosto de ser esse, sabem.
Além disso, como é que acha que as pessoas o veem? Não só na região, mas a nível nacional, até internacional? Há essa visibilidade.
Neste momento, têm uma perceção um bocadinho errada porque continuam a ver-me como no meu início de carreira que foi, sem dúvida, a minha fase mais marcante. Eu era, realmente, o “terrível” e era muito irreverente, fazia uma roupa muito irreverente, para jovens de uma classe social alta. Depois, claro, como devem calcular, a partir do momento em que surgiu a crise, esse público deixou de ter poder económico e tive de me direcionar para outra faixa etária e classe social. Mudei tudo. Abri uma loja em Lisboa, comecei a produzir em série, não conseguia vender o meu produto cá, na região. Vendia sobretudo a turistas. Atualmente, deixei de produzir em massa, trabalho para um consumidor final, a pedido, não faço peças iguais. Trabalho de forma personalizada, é um produto dispendioso, com a minha assinatura, mas sobretudo com a assinatura do cliente.
Contou-nos entretanto que, nessa fase mais irreverente, em 1998, fez uma coleção sobre o tema da clonagem, em que coloca, inclusive, os orgãos de um animal enquanto elemento mais performativo numa passagem de modelos. Mais do que chocar, sempre foi importante passar uma mensagem?
A moda tem que passar uma mensagem, caso contrário é fútil, é efémera. Já o ato de vestir, atualmente, é fútil. E, lá está, eu não fui, inicialmente, para esta área por gostar de desenhar roupa, mas sim porque queria comunicar. É por isso que faço roupa diferente. Neste momento, a moda está estagnada e há vários condicionalismos, sobretudo o fator económico. Todas as grandes marcas, agora, querem é faturar. E, por isso, trabalham para um tipo de público que não é o público real, é um estereótipo de beleza, que não corresponde em nada ao que é real. Nós não somos aquilo, não somos aquele boneco na montra. Querem vender, ninguém quer saber de perturbar.
A si interessa-lhe sempre perturbar?
Sempre. A partir do momento em que algo perturba alguém, significa que tocou a pessoa, emocionalmente, de alguma maneira, a pessoa pensou naquilo. Por isso, se o meu trabalho perturbou, ficou feito, passou a mensagem.
Mas que mensagem, afinal?
Humanizar, humanizar, humanizar. E o amor. Não é essa coisa da paz e do amor, é o não olhar só para o nosso umbigo. Vivemos assim, raramente estendemos a mão ao outro ou se estendemos há um interesse nisso e, por isso, é muito importante humanizar. É tão importante que as pessoas tenham consciência da questão ambiental, da carência de água, como é importante eu não andar de cara fechada. ‘Pá, é importante eu passar por alguém na rua e sorrir, por exemplo. Humanizar é muito importante. E a liberdade. A liberdade não é um direito, é uma obrigação, não devia ser uma novidade nos dias que correm.
No que diz respeito a novidades, janeiro é mês de nova coleção…
Sim. Vou lançar uma nova coleção em janeiro, em parceria com o aniversário de uma empresa francesa, cuja produção é feita há dez anos em Portugal. O lançamento acontece no Montebelo Vista Alegre Hotel, o cocktail, e no Museu Vista Alegre, a apresentação da coleção.
Que dizer desta nova coleção?
O tema, que é também o nome, da coleção é a “Existência” e creio que vai perturbar as pessoas. É uma coleção com muitas texturas, muito brilho, que aposta na diferença e em que falo, através das peças, sobre algo que gosto muito de estudar: a simbologia da cor. A mensagem que quero passar é que o mais importante é sabermos aproveitar esta passagem terrena de bem connosco, que a nossa existência seja prazerosa e que, no fim de tudo, alguém se lembre de nós de alguma forma, que fique alguma coisa feita. Por exemplo, quando se lembrarem de mim, espero que as pessoas saibam identificar, que recordem a minha existência, que digam “ - ah, o Joel Reigota, sei perfeitamente”.
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